18 de jun. de 2011

Muito interessante como o intestino é um orgão tão importante para o o nosso corpo

Preserve a flora intestinal
Um universo de micro-organismos vive no interior da sua barriga. Reconhecida como um órgão acessório do corpo humano, essa comunidade é considerada fundamental para entender, prevenir e atacar infecções, doenças nervosas, tumores e até o excesso de peso


Já cansou de frases do tipo "Você é o que você come" ou "Você é o que você pensa"? Então, que tal esta: "Sua saúde é reflexo das bactérias que moram no seu intestino". A sentença foi exagerada de propósito para você começar a cultivar a ideia de que os trilhões de micróbios alojados dentro do seu ventre influenciam, a exemplo da dieta e do estado mental, tanto o bem-estar como o risco de problemas não restritos ao aparelho digestivo — até mesmo no cérebro.

O gastroenterologista Thomas Borody investiga em New South Wales, na Austrália, o elo entre a microbiota, o nome científico da flora, e a doença de Parkinson. Após dar antibióticos a portadores do problema que também tinham constipação de fundo infeccioso, ele notou que, além da prisão de ventre, os tremores foram atenuados. "Há uma hipótese de que um micróbio patogênico no intestino possa estar por trás do mal", diz. No caso, ele migraria pelos nervos até a massa cinzenta. "Pessoas com Parkinson costumam sofrer de constipação, mas a relação da doença com a flora ainda não foi comprovada", ressalva a neurologista Vanderci Borges, da Academia Brasileira de Neurologia. De qualquer forma, é esperar para ver.


Na casa dos trilhões

Os números nos dão ideia do tamanho e do impacto da flora no organismo

2 quilos - Chega a essa marca a fração do nosso peso que corresponde à carga da microbiota intestinal

10 vezes mais - Existem 100 trilhões de micróbios abrigados no intestino, número que supera os 10 trilhões de células do corpo humano

200 espécies - Cada um de nós aloja entre 100 e 200 espécies de bactérias intestinais, mas existem até mil tipos que podem habitar o intestino humano

Entre 1 milhão e 10 milhões - É o número de bactérias presentes em 1 mililitro de um material colhido no intestino grosso, pedaço mais colonizado do aparelho digestivo

Em ordem, a flora pode afastar infecções e doenças inflamatórias

Indiscutível é a importância das bactérias que povoam o intestino na nossa imunidade. A colonização começa quando deixamos o ventre materno. A amamentação e o contato com o mundo — e seus microscópicos habitantes — asseguram a formação da flora, que, com o tempo, adquire um padrão harmônico. "Além de ativar as células de defesa, essas bactérias impedem a invasão de micróbios nocivos", explica a microbiologista Regina Domingues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Uma flora estável não só treina como ajuda a regular o sistema imunológico, diminuindo inclusive a probabilidade de ele se tornar sensível demais. "Quando se evita a colonização em experimentos com animais, eles se tornam mais suscetíveis a alergias", conta o biólogo brasileiro Daniel Mucida, chefe do Laboratório de Imunologia de Mucosas da Rockefeller University, nos Estados Unidos.

Será que suportaríamos uma infecção se fôssemos desprovidos de flora? Eis uma pergunta difícil, mas que pode ser elucidada graças a estudos com animais criados para não abrigar germes, caso dos camundongos do laboratório da professora Leda Vieira, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao nos alimentarmos, nós, seres humanos, ingerimos vez ou outra uma bactéria chamada salmonela, cuja presença passa despercebida ou causa diarreia. "Só que, quando colocamos uma única delas no tubo digestivo dos animais sem microbiota, eles morrem", conta Leda.

É de supor, então, que, se alojassem micro- organismos ali, os ratinhos teriam mais sorte, certo? A professora Leda fez o teste. "Ao introduzirmos um lactobacilo no intestino dos bichos e, mais tarde, injetarmos uma bactéria nociva ali, observamos uma reação imunológica e, com isso, os animais sobrevivem", relata. Mas os favores prestados pelos hóspedes invisíveis não se resumem a prevenir infecções: a flora também participa do controle dos processos inflamatórios. "Existem bactérias que induzem inflamação e outras, como o Bacteroidis fragillis, que estimulam o sistema imune a inibir essa resposta", diz Mucida. Esse serviço ajuda a suprimir doenças crônicas que irritam o intestino, como a colite. E, com menos inflamação na área, menor também o risco de um tumor.

Outra descoberta recente legitima a autoridade da flora. "Há um tipo específico de linfócito, uma célula de defesa, que depende das bactérias do intestino para entrar em ação", conta Daniel Mucida. De acordo com a composição da microbiota e a predisposição do indivíduo, essas células desempenhariam um papel protetor ou, então, se envolveriam em doenças autoimunes. Não à toa, cientistas querem entender melhor a interação entre flora e hospedeiro e já estudam formas de alterá-la com o intuito de abrandar esses males marcados pela agressão das próprias defesas.

Transplante de micróbios

Uma técnica experimental leva um pedaço da microbiota de alguém saudável para o intestino de uma pessoa com algum problema. É o transplante fecal, já testado em seres humanos com bons índices de sucesso. "As fezes do doador são analisadas e, se estiverem livres de parasitas, introduzidas via retal após a lavagem intestinal", explica a nutróloga Jacqueline Alvarez-Leite, da Universidade Federal de Minas Gerais. O método propicia mudanças expressivas no padrão da flora e é avaliado contra doenças nervosas, autoimunes e obesidade.

Bactérias no comando

A ciência explica como elas influenciariam diversas doenças e funções do corpo

CÉREBRO
Há indícios de que a composição da microbiota favoreça a doença de Parkinson. Bactérias nocivas conseguiriam viajar pelos nervos até o cérebro e induzir uma degeneração. Pesquisas acenam que o estado da flora também repercute no humor.

SISTEMA CARDIOVASCULAR
Quando a flora está equilibrada e bem alimentada, algumas bactérias liberam propionato, substância que é enviada ao fígado, onde reduz a produção de colesterol. Com menos gordura circulante, cai o risco de placas obstruírem as artérias.

OBESIDADE
Pessoas magras e gordas têm microbiotas diferentes. A suspeita é que o padrão da flora facilite o ganho de peso — e intervir nele seria uma maneira de eliminar os quilos a mais. Quando se transpõem fezes com bactérias do intestino de ratos magros para o corpo de bichos obesos, estes emagrecem.

NO PRÓPRIO INTESTINO
Acredita-se que algumas bactérias estimulem e outras atrasem os movimentos naturais desse órgão, patrocinando a constipação. Uma flora saudável também tem micro-organismos produtores de butirato, substância que conserva as células intestinais, espantando tumores.

DOENÇAS AUTOIMUNES
Parece haver uma conexão entre a microbiota e distúrbios como artrite reumatoide e diabete tipo 1. Uma hipótese explica a erupção desses males pela baixa exposição de crianças a micróbios, inclusive os que habitariam o intestino.

IMUNIDADE
Uma flora em harmonia evita que bactérias com potencial maligno prevaleçam e barra o ataque de micróbios externos. Além disso, modula o sistema imune, participando da ativação ou desativação de processos inflamatórios.


Recrute moradores novos e alimente os bons inquilinos já instalados

As bactérias que residem dentro da barriga influenciam inclusive o tamanho dela. A microbiota de alguém magro tem um padrão diferente da encontrada no indivíduo acima do peso. "Nos obesos, prevalecem bactérias mais gulosas, com maior capacidade de extrair nutrientes do corpo", conta Regina. Não por menos, cientistas americanos estão avaliando o transplante fecal entre pessoas em forma e gorduchas — algo que dá certo em ratos.

A flora também tem repercussões diretas sobre alguns órgãos. Ao colocar micro-organismos no intestino de camundongos, a fisiologista Sandrine Claus, da Universidade de Reading, na Inglaterra, observou que essa colonização instiga o fígado a aumentar a oferta de energia ao organismo. "A microbiota ainda estimula enzimas envolvidas no processamento de remédios", revela.

Seus micróbios particulares não vivem de ar e, mais do que alimentá-los, todos deviam convidar novos habitantes para se juntar à comunidade. Quando começamos o dia saboreando um mamão com granola, por exemplo, as bactérias fazem festa por causa da fibra, que não é digerida pelo corpo, mas devorada pelos pequenos comensais. "Essa substância é considerada um prebiótico porque favorece o crescimento dos micro-organismos benéficos", diz o gastroenterologista Orlando Ambrogini, da Universidade Federal de São Paulo. O banquete termina em vantagens para a nossa espécie: bem nutridos, os micróbios liberam moléculas que protegem o cólon.

A ciência também endossa o chamado por novos hóspedes, como lactobacilos e bifidobactérias. São eles os probióticos, disponibilizados por iogurtes e leites fermentados. "Para receber essa classificação, a bactéria tem de sobreviver ao estômago. Até 90% dos micro-organismos morrem em contato com o suco gástrico", explica a farmacêutica Yasumi Kimura, da Yakult, empresa que pesquisa probióticos há mais de sete décadas.

É preciso esclarecer, porém, que nem toda bebida láctea ou iogurte oferece os bichinhos. "O produto precisa fornecer pelo menos um tipo de bactéria com benefício comprovado em quantidade acima de 100 milhões por mililitro", diz a farmacêutica Maricê Nogueira de Oliveira, da Universidade de São Paulo. Por isso, atenção ao rótulo, que deve anunciar se a bebida leva esse título e identificar suas bactérias. A recomendação é engolir cerca de 1 bilhão dessas criaturas por dia — um frasco de leite fermentado, por exemplo, oferta mais de 10 bilhões.

Os probióticos, no entanto, precisam ser convocados diariamente. "Eles se mostram eficazes enquanto são ingeridos, porque nem sempre se incorporam permanentemente à flora", explica a nutróloga Jacqueline Alvarez-Leite. O ambiente é competitivo, mas lembre-se: sempre cabe mais um.

Seus filhos agradecem

Repare que os hábitos intestinais dos bebês demoram a entrar nos eixos. Um dos motivos é justamente o processo de formação da flora, que desde cedo merece ser bem cuidada. "As crianças podem começar a tomar probióticos após o primeiro ano de vida ou o fim da amamentação", diz a farmacêutica Yasumi Kimura. Além dos leites fermentados e iogurtes, o ideal é acostumá-las a uma dieta rica em fibras. Uma microbiota em harmonia se traduz em um número ideal de visitas ao banheiro e em menor risco de infecções — até otites podem ser prevenidas.
DIOGO SPONCHIATO

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